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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Ocupai São Paulo

 


Um amigo costuma dizer: “Não confie em ninguém com menos de 30 anos”. A inversão da famosa frase segundo ele é porque a maioria dos jovens de hoje (entenda-se os estudantes, artistas, jornalistas, profissionais liberais que sempre tiveram no cerne dos questionamentos sociais e culturais) se comporta muito mais com a mentalidade de uma moça virgem dos anos 1950 do que com os célebres libertários da década de 60 que trouxeram a ideia da “juventude no poder” e que não confiavam de forma alguma nos mais velhos.
Para além das generalizações e da guerra geracional, estive na noite de domingo, 23, no 15.0 São Paulo, também conhecido como Acampa Sampa ou os Indignados ou ainda Ocupe São Paulo que eu prefiro chamar de Ocupai São Paulo numa versão tupiniquim antropofágica do Occupy Wall Street, o acampamento na "downtown" nova-iorquina que pede mais cidadania, igualdade e menos privilégios aos bancos. E a grande maioria que lá estava era de jovens com menos de 30 anos.
O acampamento paulista acontece debaixo do viaduto do Chá. A primeira coisa que me chamou a atenção foi a segurança – item em falta na cidade com trombadinhas e trombadões agindo com a maior naturalidade na Paulista e até em bairros considerados seguros como o Sumaré. Não tinha policiais em volta e a sensação de vulnerabilidade que temos ao andar à noite no centro velho de São Paulo desaparecia imediatamente. Senti segurança para fotografar com meu iPhone e não fui incomodado em nenhum momento.
Também percebi uma organização orgânica sofisticada, com biblioteca, ateliê de pintura, lixos recicláveis, espaços para conversas em roda.
Mas o que mais me tocou foi que os moradores de rua estavam integrados naquela ocupação, eles não foram expulsos daquela área que antes do Ocupai SP era deles.

Acabei assistindo dois shows de hardcore e ao ver aqueles jovens pongando, pensei na conexão entre eles e os tunisianos que nesse mesmo domingo iam pela primeira vez às urnas depois de décadas de ditadura. O que unia São Paulo e Tunísia não era a rede. A internet era o meio e a mensagem, mas a finalidade era a desgastada e pouco conhecida cidadania.
Poderia fazer o blasé, é bem fácil. Poderia com o dedo em riste achar que tudo isso já foi feito (e de certa forma já foi mesmo, estamos nos tempos do revival), mas estaria sendo cruel em não dar o direito às novas gerações de tentar o seu caminho, mesmo que repetindo dogmas e chavões. Mesmo com uma pauta ampla que vai desde a crítica ao aumento das passagens de ônibus e metrô aos direitos dos LGBTs, pode parecer ainda mais fácil para os blasés de sempre dizer que isso é puro baderna. Sim, toda essa atitude hippie-punk eu já conheci, mas os personagens são outros e o tempo histórico também.


Acredito que o filósofo Slavoj Žižek e sua visita ao Occupy Wall Street desbanque toda essa atitude blasé que tenta desprestigiar esse movimento - que precisa ser criticado e autocriticado, mas não desmoralizado: "Não se apaixonem por si mesmos, nem pelo momento agradável que estamos tendo aqui. Carnavais custam muito pouco – o verdadeiro teste de seu valor é o que permanece no dia seguinte, ou a maneira como nossa vida normal e cotidiana será modificada. Apaixone-se pelo trabalho duro e paciente – somos o início, não o fim. Nossa mensagem básica é: o tabu já foi rompido, não vivemos no melhor mundo possível, temos a permissão e a obrigação de pensar em alternativas. Há um longo caminho pela frente, e em pouco tempo teremos de enfrentar questões realmente difíceis – questões não sobre aquilo que não queremos, mas sobre aquilo que QUEREMOS. [...] Tenham cuidado não só com os inimigos, mas também com falsos amigos que fingem nos apoiar e já fazem de tudo para diluir nosso protesto. Da mesma maneira que compramos café sem cafeína, cerveja sem álcool e sorvete sem gordura, eles tentarão transformar isto aqui em um protesto moral inofensivo. Mas a razão de estarmos reunidos é o fato de já termos tido o bastante de um mundo onde reciclar latas de Coca-Cola, dar alguns dólares para a caridade ou comprar um cappuccino da Starbucks que tem 1% da renda revertida para problemas do Terceiro Mundo é o suficiente para nos fazer sentir bem. Depois de terceirizar o trabalho, depois de terceirizar a tortura, depois que as agências matrimoniais começaram a terceirizar até nossos encontros, é que percebemos que, há muito tempo, também permitimos que nossos engajamentos políticos sejam terceirizados – mas agora nós os queremos de volta. [...] nós nos 'sentimos livres' porque somos desprovidos da linguagem para articular nossa falta de liberdade”.
É exatamente por esses motivos que a da luta dos direitos civis dos homossexuais deve estar atrelada a uma agenda mais ampla, que busque não só a cidadania para os que tem relações sexuais diferentes das heterossexuais, mas a busca de uma liberdade real. Ocupai São Paulo!

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