Mulheres estupradas na Líbia podem ser mortas por 'honra'
Mulheres e meninas líbias que engravidaram durante estupros correm o risco de serem assassinadas por suas próprias famílias, em atos chamados de "mortes honrosas", advertem agentes humanitários.
Se ao redor do mundo o estupro é um tema sensível, na Líbia o tabu é ainda maior. "Na Líbia, quando um estupro ocorre, parece que toda a cidade ou aldeia é considerada desonrada", explica Arafat Jamal, da agência de refugiados da ONU (UNHCR).
Entidades beneficentes do país dizem estar recebendo relatos de que, no oeste do país, que é especialmente conservador, as forças do líder Muammar Gaddafi teriam abusado sexualmente de meninas e mulheres diante de seus pais e irmãos.
"Serem vistas nuas e violentadas é algo pior do que a morte para elas", afirma Hana Elgadi, parte de um grupo de voluntárias que oferecem atendimento médico e testes de HIV, além de pagar abortos a mulheres que foram estupradas durante os confrontos em curso na Líbia. "Esta é uma região onde as mulheres não saem de casa sem cobrir a face com um véu."
COM AMOR
"O tempo está contra nós", diz Nader Elhamessi, da ONG World for Libya. "Por enquanto, as gestações podem ser disfarçadas, mas não por muito tempo. Muitos pais vão matar suas próprias filhas se descobrirem que elas foram estupradas."
Elgadi diz que as famílias veem isso como um "assassinato cometido com amor". "Eles acreditam estar salvando a menina."
Por isso o grupo de Elgadi se oferece para pagar pelo aborto de mulheres que assim desejarem. Ela afirma que já existem fatwas --regras clericais islâmicas-- que autorizam o aborto em circunstâncias como a de abuso sexual.
O grupo World for Libya diz estar tentando convencer imãs na vizinha Tunísia a pregar que o estupro não é culpa das vítimas.
Estima-se que cerca de 130 mil pessoas tenham fugido do conflito da Líbia atravessando a fronteira tunisiana.
ONGs que estão atendendo esses refugiados dizem acreditar que entre eles há muitas vítimas de abusos que têm medo de admitir o estupro.
ONGs que estão atendendo esses refugiados dizem acreditar que entre eles há muitas vítimas de abusos que têm medo de admitir o estupro.
O World for Libya está tentando contato com um grupo de meninas adolescentes que ainda está na Líbia, cuja escola teria sido atacada por forças leais a Gaddafi.
"Homens armados separaram as meninas e violentaram as que acharam mais atraentes", diz Nader Elhamessi. "Uma das meninas cortou seus pulsos e se matou, para não enfrentar a vergonha. Os estupros só foram relatados a nós pelas meninas que foram deixadas em paz."
Elgadi diz também ter sido contatada por uma família pedindo medicamentos para tratar HIV.
"A mãe, o pai e o filho disseram ter sido estuprados pelas tropas de Gaddafi. A mãe nos procurou quando eles descobriram que tinham contraído o vírus do HIV. Ela não quer ir ao hospital na Tunísia por medo de descobrirem que ela foi violentada."
VIAGRA
A Corte Criminal Internacional já havia dito que tem indícios de que as forças do regime estariam usando o estupro como arma de guerra.
O tribunal disse ter razões para acreditar que os soldados receberam Viagra e ordens de cometer estupros.
Um major do Exército líbio que desertou relata à BBC que os carregamentos de Viagra eram de amplo conhecimento entre os soldados, mas ele e seus colegas nunca chegaram a ver os medicamentos.
"A ordem de estuprar não foi dada ao Exército comum", diz o major, sob condição de anonimato. "Gaddafi sabia que nós nunca a aceitaríamos. (A ordem) foi dada a mercenários."
Mas Jamal, coordenador de emergência da UNHCR para a Líbia, diz ainda não ter visto evidências concretas de uso do estupro como arma, apesar de ter observado casos individuais de abusos sexuais pelo país.
"Temos provas que sugerem que os estupros foram cometidos pelos dois lados (tropas de Gaddafi e rebeldes), mas não temos como dizer em qual escala", ele afirma.
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